Entrevistas

A casa no centro de tudo

Andrea Bisker: “A maior mudança de todas foi a volta da casa como o nosso grande templo”

Em meio a uma agenda disputada, maratonas de lives, palestras on-line e um fuso horário global com os olhos atentos a tudo que acontece no mundo, Andrea Bisker dividiu seu vasto e atualizado conhecimento com o Anuário ARQ em uma entrevista.

Formada em comunicação com pós graduação em Ciências do Consumo e Marketing, Andrea é empreendedora desde os 23 anos, quando fundou uma agência de marketing. Atuou durante uma década na indústria de moda e tecnologia até que, em 2004, criou a Mindset, uma agência de pesquisa de tendências e comportamento de consumo. Foi mais ou menos nessa época que também iniciou no Brasil a operação da WGSN, uma das maiores companhias de tendências do mundo.

Atualmente representa no Brasil a operação da Stylus, uma plataforma de inovação inglesa que ajuda as empresas a anteciparem as mudanças para terem longevidade em seus negócios.

Confira os principais pontos da nossa conversa.

ARQ: Como observadora de fenômenos de comportamento no mundo inteiro, o que mais te chamou atenção nessa época pandêmica e como você enxerga o pós pandemia?

Estão acontecendo mudanças profundas na sociedade, na arte, na arquitetura, na moda, nas indústrias, na comunicação, na política e nas manifestações. Já existem dietas baseadas no seu DNA. Viagens que são programadas de acordo com informações do seu material genético, apontando quais destinos são apropriados para você.

Estamos vivendo uma época de profundo autoconhecimento.

Muitas coisas que estão acontecendo com mais rapidez agora já estavam rolando antes. Basta olhar para o trabalho remoto, a educação a distancia, a busca por alugar ao invés de comprar. Isso tudo acelerou a transformação digital, onde empresas como a Uber conseguem mudar completamente o consumo de carros no mundo. Hoje você não precisa mais ter um carro, e esse modelo de trabalho permite que milhares de trabalhadores tenham o seu próprio negócio. Isso desmaterializou completamente a necessidade de você ter um veículo seu.

Penso que nessa transformação de comportamento as pessoas não terão mais emprego, elas terão trabalho, e irão trabalhar por job.

ARQ: Quando o assunto é Arquitetura e Decoração, como você o cenário atual e futuro para este mercado?

Estão acontecendo mudanças muito fortes. Pessoas morando mais próximas do trabalho, a volta aos subúrbios, o trabalho em casa, mas, sem dúvidas, a maior mudança de todas foi a volta da nossa casa como o nosso grande templo.

O tempo de permanência em casa passou a ser muito maior e novas necessidades surgiram. Do dia para a noite as pessoas tiveram que montar rapidamente pequenos escritórios dentro de casa. Ao contrário de antes, quando tudo era aberto, voltou a ser necessário espaços fechados, com mais privacidade para trabalhar.

A casa nunca esteve tão no centro de tudo e todos passaram a enxergar a necessidade de torná-la o mais gostosa e confortável possível. As pessoas passaram a cuidar da sua casa, a gerenciá-la, colocá-la de volta em suas mãos. Hábitos como cozinhar e cultivar hortas, por exemplo, retornaram.

Outra mudança que observamos foi na busca pelo lar. Antes da pandemia, apartamentos pequenos com espaço apenas para o essencial faziam sucesso, inseridos em condomínios com grandes áreas de convívio, com piscina, academia e serviços compartilhados. Isso tudo teve que ser repensado.

ARQ: Qual conselho você daria para empreendedores e profissionais de arquitetura e decoração neste momento?

Trabalhe muito a sua marca pessoal. Gere conteúdo relevante e entenda o seu propósito. O que você está vendendo realmente resolve algum problema do seu cliente? Passou a ser ainda mais fundamental entender com profundidade o cliente que você está atendendo. É preciso colocar o consumidor no centro do negócio.

ARQ: Que mudança você vê no comportamento das empresas e das pessoas?

O consumo digital veio com ainda mais força, já que passou a ser quase uma necessidade básica. Um número muito grande de pessoas fizeram a sua primeira compra on-line durante a pandemia.

Outro movimento que devemos observar com atenção é a valorização do local ao invés do global. As empresas precisaram depender menos do que vem de fora e buscar recursos locais. É só ver o que aconteceu na área da saúde. Não é possível contar apenas com o que é feito na China, em um só endereço global. Se a produção lá para, o mundo para.

Não foi diferente com as pessoas. Estamos voltando a dar valor para o bairro em que a gente mora.

ARQ: De toda essa situação que ninguém esperava, o que veio para ficar?

Hábitos de higiene, de autocuidado e um movimento de colaboração entre as pessoas e as empresas. Acho isso, inclusive, o mais relevante. Preocupação com a saúde mental e o foco das pessoas em estarem mais conectadas consigo mesmas também devem permanecer em nosso novo comportamento.

As empresas estão em um momento de generosidade e cooperação porque elas estão vendo que sozinhas não irão mudar o mundo, nem a sociedade na qual estão inseridas.

Hoje um pacto social de uma marca é tão importante quanto o resultado de sua performance. As pessoas esperam que as marcas façam as mudanças que as instituições públicas não irão fazer. Os consumidores estão votando e acreditando na marca quando compram os produtos dela.

A gente sabe que hábitos demoram para serem construídos. Por isso, acredito que o mundo já vinha mudando. A pandemia apenas acelerou essa transformação.

Publicado por:

Editora Audaz

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