Entrevistas

[ARQTALKS] Arquiteta, mas com alma de designer

Foto: Telmo Losquiavo

Na Serra Gaúcha, o nome de Ana Lúcia de Salles é referência quando o assunto é arquitetura. Seu escritório, o Ana Salles Arquitetos Associados, completa, em 2019, 35 anos de atuação. As mais de três décadas deram a Ana uma coleção de memórias, sucessos e desafios superados. Mas, engana-se quem pensa que tanto tempo de trabalho pode estagnar um profissional, Ana prova que para ter um nome tão forte no mercado é necessário atenção às novidades da área, assim como andar lado a lado com a tecnologia.

ARQ: O que despertou a sua paixão pela Arquitetura? Quais foram as influências?

Acredito que a verticalização da cidade foi a principal influência. Ocorreu nos anos 70, em uma época que as edificações me chamavam a atenção. Também gostava muito de estar em casa imaginando como era toda a casa, tipo uma visão em 3D, a casa dos vizinhos, dos parentes, etc. A mesa de desenho e seu “instrumental” para projetar também me atraíam, sempre gostei da área de artes, e me parecia que arquitetura juntava a arte e a técnica perfeitamente.

ARQ: Como iniciou no mercado de trabalho? Você lembra da primeira experiência fora da universidade?

A primeira obra a gente nunca esquece. Na arquitetura foi o projeto de uma cabana na praia, na época estava na moda. Ficou linda, e eu adorei fazer. Em interiores foi um bar numa sala de estar. Levei dois meses para projetar, não fazia ideia por onde começar, não conhecia medidas, não sabia como funcionava marcenaria, elétrica, nada! Mas pesquisei muito, me “plantava” nas marcenarias e aprendi. O bar ainda existe e funciona até hoje.

ARQ: Qual foi o primeiro projeto executado totalmente por você? E qual foi a primeira dificuldade superada?

Foi um apartamento de uma amiga que era casada com um construtor. Ela adorou a minha casa e quis utilizar a mesma linguagem no apartamento deles. A primeira dificuldade superada foi ter coragem de enfrentar o desafio. Fui com medo, mas fui. Usei a intuição, a lógica e o bom senso. Funcionou.

ARQ: De onde você tira inspiração para projetar?

Atualmente minha inspiração vem da prática de muitos anos, de muitos clientes, de inúmeras situações resolvidas em projetos e obras. Acompanho a tecnologia, as tendências do mercado mas principalmente o comportamento das pessoas, das famílias, indivíduos, e de muitas gerações. É o que me empolga.

ARQ: O quanto de um projeto é fruto do estilo próprio do arquiteto e o quanto é personalidade dos clientes?

Acredito que o estilo está em segundo lugar. Ele é fruto de um conceito que depuramos e que é pretendido pelo cliente. Em primeiro lugar está o conceito de lifestyle que o cliente conquistou e preza com orgulho. Há também o limite financeiro disposto pelo cliente. A partir de então propomos um estilo existente, ou criamos um, porque não?

ARQ: Pensando em seus clientes, o passar dos anos modificou as prioridades na hora de morar?

As prioridades não mudaram, todos querem ambientes bonitos e funcionais, locais aconchegantes e práticos ao mesmo tempo. O que mudou foi a forma de utilização dessas prioridades, como por exemplo o local onde a família e amigos se reúnem para conversar e cozinhar. O ambiente que mais sofreu atualizações foi a cozinha, que passou da função de serviços para a função social, e ela sempre foi e, acredito, vai continuar sendo uma prioridade.

ARQ: Pensando em mercado, é mais fácil ser arquiteto hoje do que quando iniciou sua carreira?

Existem e existiram muitas dificuldades, mas de formas diferentes. Na época, em Caxias, havia uma dificuldade em entender qual a função de um profissional da arquitetura, principalmente em se tratando de mulheres neste mercado tradicionalmente masculino. Os arquitetos eram confundidos com engenheiros que por sua vez tinham a credibilidade da sociedade. Lembro desta dificuldade e de outra, que eram as constantes crises da construção civil e que restringia o mercado. Minha geração adaptou-se ao mercado do design de interiores e/ou arquitetura de interiores, pois era um mercado pungente, e todos são autodidatas. Os arquitetos construíram a fama de fazer interiores, o que os desloca de sua função original. Atualmente o mercado da arquitetura em sua escala voltada à construção civil encontra-se também (e ainda) em crise, além do que já computamos pelo menos um arquiteto em cada família.

ARQ: Qual a importância de ter um profissional assinando a obra?

Uma obra assinada tem um forte valor agregado, tanto para a obra quanto para o profissional. É um excelente diferencial, pois de longe se apresenta fundamentada nos princípios de composição harmoniosa e consegue-se detectar quem é/são os usuários do(s) ambientes.

ARQ: O quanto você aposta em tendência e o quanto acredita em estilo?

Aposto nos dois sempre. Os estilos não mudam, e as tendências são adaptadas a eles. As revisitações e releituras fazem com que se mantenham atualizados.

ARQ: Pensando em mercado, quais os novos desafios apresentados por ele?

O potencial de criação, a tomada de decisões e a resolução de problemas deverão ser os diferenciais que tornarão os profissionais mais competitivos, assim como a atualização constante e aposta nas tecnologias sustentáveis. Por outro lado o mercado da arquitetura está confuso, pois temos também os profissionais da área de design de interiores, e acredito que em alguns anos os arquitetos deverão ter que assumir funções mais específicas para se posicionar diante do mercado de trabalho. Costumo dizer que a arquitetura há tempos vive uma crise existencial.

ARQ: Podes nos contar uma história de sucesso, algum projeto que se orgulhe e que não vai mais esquecer?

Em 35 anos de mercado tem muitas obras e projetos inesquecíveis, desafios constantes e inesquecíveis. Seria injusto citar apenas um. Me orgulho de cada cliente que acreditou no meu potencial e capacidade.

ARQ: E na contramão, existe alguma história de insucesso que queira compartilhar? Qual a lição tirada dela?

Algumas histórias não se concretizaram e acredito que fazem parte de carreiras profissionais, acrescentado experiência e expertise para as próximas. As lições são constantes, diárias, mas poderia citar a humildade diante dos desafios como sendo a grande lição de tudo que aprendi.

ARQ: Qual o futuro da arquitetura em meio a contínua inovação tecnológica?

A arquitetura é uma seguidora de inovações, assimila de forma rápida e tenta aplicar com a mesma velocidade. As tecnologias construtivas não evoluíram tanto quanto gostaríamos, além do que dependemos de empresas de mão de obra para aplicá-las da forma correta. Em se tratando de interiores sua aplicação e assimilação são imediatas.

ARQ: Se pudesse definir a profissão em uma frase, qual seria?

Diria que tem como objetivo suprir as necessidades de abrigo e moradia que se espelham no comportamento social e cultural de determinada sociedade, aliando técnica e arte em uma dinâmica de ações e processos que se concretizam a partir da organização de espaços vazios.

ARQ: Como conheceu o Anuário de Arquitetura e Design da Serra Gaúcha? E por que decidiu apostar na publicação?

Conheci através do Gustavo Portinho, em apresentação da publicação em meu escritório. Apostei na publicação porque sou movida a desafios, e acredito sempre em ideias inovadoras. Na nossa região não havia outras formas de valorização da produção local, e o Anuário se mostrou potencialmente direcionado para este fim.

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Imagem do projeto residencial publicado pelo escritório Ana Salles no Anuário de Arquitetura e Design da Serra Gaúcha. Foto: Guilherme Jordani

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Imagem do projeto residencial publicado pelo escritório Ana Salles no Anuário de Arquitetura e Design da Serra Gaúcha. Foto: Guilherme Jordani

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Imagem do projeto residencial publicado pelo escritório Ana Salles no Anuário de Arquitetura e Design da Serra Gaúcha. Foto: Guilherme Jordani

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